Donatella Versace chega aos 70 anos com legado fashion próprio e longe da sombra do irmão

CAIO DELCOLLI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A manhã de 15 de julho de 1997 é um divisor de águas para a moda. Foi quando o italiano Gianni Versace, o estilista fundador da marca homônima, foi assassinado na porta de casa, em Miami, com dois tiros à queima-roupa. A tragédia não deixou apenas um vazio pessoal para Donatella, a irmã de Gianni, que até então era seu braço direito nos bastidores. O assassinato a jogou no centro de um império ferido.

 

Donatella assumiu a liderança do negócio da família –e, ao longo dos quase 30 anos seguintes, a estilista, que completa 70 anos nesta sexta-feira (2), a transformou em uma potência global.

“Ela não apenas manteve o DNA da marca como também conseguiu atualizá-lo com sua própria visão de feminilidade”, afirma Andreia Meneguete, professora de moda da ESPM. Segundo a pesquisadora, Donatella incorporou à estética opulenta da grife a fluidez da sensualidade do corpo feminino. E não a serviço do olhar masculino, mas da afirmação do desejo da própria mulher por poder.

Antes mesmo de assumir o comando, Donatella já exercia um papel fundamental dentro da empresa. Foi ela quem sugeriu o emblemático desfile de 1991 em que supermodelos como Naomi Campbell e Cindy Crawford desfilaram ao som de “Freedom! ’90”, de George Michael, em referência ao videoclipe estrelado por elas. Também liderou a Versus, linha jovem da marca, e cuidava das campanhas de divulgação.

“Ela sempre foi o apoio estratégico do Gianni, conhecia cada engrenagem da empresa”, diz Valeska Nakad, coordenadora do curso de moda do Centro Universitário Belas Artes. “Isso fez com que sua transição para o comando, apesar de trágica, não fosse improvisada.”

Aos poucos, Donatella foi imprimindo sua marca. No ano de 2000, o vestido verde de chifon usado por Jennifer Lopez no Grammy, o icônico “jungle dress”, foi tão buscado na internet que levou à criação do Google Imagens. Duas décadas depois, Donatella levou Lopez à passarela com uma versão repaginada do mesmo vestido. Foram aplaudidas de pé.

Outro marco foi o desfile de primavera-verão 2018, em homenagem a Gianni, 20 anos após a morte dele. Donatella revisitou os arquivos da marca e encerrou o show com as supermodelos dos anos 1990, vestindo estampas resgatadas de coleções dos anos 1980 e 1990. “Ela não só homenageou o irmão como também as supermodelos que ele ajudou a criar”, diz Nakad.

Mas a estilista não se limitou à nostalgia. Em 2011, lançou uma coleção com a rede H&M, que chamou de “democratização do luxo”. A colaboração atraiu o público jovem e expandiu o alcance da marca. Em 2022, fechou a Semana de Moda de Milão com a Fendace, colaboração ousada com a Fendi que uniu modelos como Gigi Hadid, Kate Moss e Naomi Campbell em um desfile vibrante, repleto de tecidos metálicos e estampas barrocas.

O flerte com as celebridades foi constante. Além de Jennifer Lopez, Lady Gaga, Beyoncé e Madonna, que é amiga pessoal e frequentadora da casa da família, também vestiram Versace em momentos cruciais Dua Lipa, Lil Nas X, Bruna Marquezine, Elizabeth Hurley e Elton John –que, nos anos 2000, ajudou Donatella a superar o vício em cocaína e a estimulou a buscar tratamento 18 anos após desenvolver a dependência.

Isso se deve a uma relevância baseada em tradição, história e uma forte identidade com símbolos que atravessam gerações: a Medusa dourada, as estampas animal print, o barroco italiano, os vestidos colados ao corpo.

Foi também sob sua liderança que a marca adotou políticas de diversidade nas passarelas, com corpos e etnias variadas, e se comprometeu com práticas sustentáveis, como quando aboliu o uso de pele de animais em 2019.

“Donatella sempre teve um sexto sentido para os negócios e foi uma líder no mundo fashion. Sempre manteve sua própria identidade e nunca perdeu seu DNA único”, analisa a jornalista Laia Farran Graves, autora do livro “Little Book of Versace” (sem edição brasileira).

A estilista profissionalizou a gestão da empresa ao assumi-la, cortando gastos excessivos e preparando a grife para a nova era. Em 2018, vendeu a Versace ao grupo Michael Kors por mais de R$ 8,7 bilhões. Ainda assim, manteve o comando criativo até abril de 2025, quando anunciou sua saída para ocupar o cargo de embaixadora da marca.

Em abril de 2025, a Prada adquiriu a Versace por R$ 8 bilhões. Quem assumiu a direção criativa recentemente foi Dario Vitale -a marca, agora, retorna às suas raízes do luxo italiano.

“Ele fez um trabalho fantástico na Miu Miu e acho que irá manter os códigos Versace e acrescentar abordagens mais modernas e comerciais neles”, diz Graves. “Mas temos que esperar para ver.”

Nada mal para quem assumiu a grife em um momento tão delicado. “A morte do meu irmão fez de mim uma pessoa mais forte, mas por um longo período foi um trauma”, disse em entrevista ao jornal britânico The Guardian, em 2017.
“Tive que ser forte pela companhia, mas ainda mais pela família. As pessoas achavam que eu não era uma pessoa afetuosa, mas estava apenas tentando me manter inteira.”

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